Demissão por “força maior” na pandemia: uma das perversidades da MP 927

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Demissão por “força maior” na pandemia: uma das perversidades da MP 927

Por André Barreto*

Foto: Edu Guimarães/SMABC

Na coluna desta semana, iremos abordar um dos mecanismos menos comentados nos debates públicos sobre a MP 927, a qual trouxe medidas trabalhistas a serem usadas pelo empresariado durante a pandemia da covid-19, mas que vem sendo utilizado à “pleno vapor” nas últimas semanas, que é a demissão por “força maior”. Uma verdadeira brecha aberta pela Medida Provisória em total benefício dos patrões e desgraça dos trabalhadores, uma vez que o seu principal efeito é a dispensa desses com o pagamento não integral das verbas rescisórias.

Constando no art. 1º, parágrafo único, da MP 927, é decretado que, para fins trabalhistas, o estado de calamidade constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da CLT. E o que prevê esse dispositivo? Segundo ele, é entendido por “força maior” todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e que pra o qual ele não concorreu, ou seja, não agiu para que esse acontecimento ocorresse. Certo, pode-se estar de acordo que os empresários brasileiros pouco têm “culpa” em ter acontecido essa pandemia que vem se alastrando por todo o mundo e atingindo profundamente o povo brasileiro, apesar que muitos deles vem contribuindo para o aceleramento e aumento do contágio dessa doença mortal, já que, unicamente presos aos interesses econômicos mesquinhos de lucro, insistem em abrir as portas de seus estabelecimentos e seguir em pleno funcionamento sem serem “atividade essencial”. E nessas circunstâncias, alguns direitos trabalhistas podem ser relativizados.

Assim, o problema está no efeito de tal reconhecimento diante da previsão do art. 502 da CLT: quando o motivo de força maior (no caso, a pandemia do novo coronavírus) determinar a extinção da empresa ou de um dos estabelecimentos dela, os trabalhadores poderão ser demitidos e apenas farão jus à metade da indenização compensatória – multa do FGTS, de apenas 20%). É fundamental destacar que o fim dos contratos de trabalho não irão decorrer da força maior em si, mas apenas da extinção da empresa ou de seu estabelecimento.

Deve-se ficar atento à aplicação abusiva desses dispositivos, pois os parágrafos primeiro e segundo do art. 501 excluem a decretação da “força maior” quando esta não afetar de forma determinante a situação financeira da empresa ou se o empresário for descuidado e negligente, não adotando as medidas de prevenção necessárias. Além disso, o art. 504 da CLT dispõe que se for comprovada a falsa alegação de força maior pela empregadora, é garantida a complementação das verbas rescisórias não percebidas e a reintegração ao emprego dos trabalhadores estáveis, sendo assegurado a ambos o pagamento da remuneração atrasada. Por fim, é possível ainda, em caso de haver outros estabelecimentos da empresa na mesma cidade, que os seus empregados, principalmente os estáveis, sejam transferidos e realocados, em vez de dispensados.

Há outro mecanismo que também vem sendo adotado pelo empresariado nesse período de crise sanitária e econômica que é a demissão por “fato do príncipe”, ainda mais perversa, pois o empresário não pagará nenhuma verba rescisória e até é possível que o Estado tenha que pagá-las na forma de indenização. Iremos analisá-la na próxima coluna. Trabalhador e trabalhadora, se forem demitidos por alguma dessas motivações, busque o seu sindicato e lute para proteger os seus direitos!

 

*André Barreto é advogado do Estevão e Pinheiro Advogados Associados e membro da Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD).

Fonte: Brasil de Fato, 25 de Maio de 2020.

 

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