Reprodução: Wellington Santos/Comerciários/SECRJ
Por Iara Medeiros*
Diante da excepcional situação de saúde pública que assola o cotidiano mundial, das mais diferentes e distintas formas, os movimentos sociais e de luta política se viram impedidos de realizar plenamente aquilo que os constitui em essência: reunir, compartilhar, agregar, juntar vozes, construir, em conjunto, reivindicações enquanto ser coletivo. As necessárias medidas de isolamento social mostram, a um só tempo, a necessidade de se viver coletivamente, mesmo quando fisicamente isolados, e a imprescindível responsabilidade de cada um enquanto parte reciprocamente afetada pelo entorno social.
As entidades sindicais carregam consigo a realização periódica de assembleias, convenções, encontros, reuniões e uma infinidade mais de atos coletivos que habitualmente ocorrem de forma presencial. Entretanto, na impossibilidade de agrupar-se, sob risco de contágio e de disseminação do novo coronavírus, se torna necessário articular formas de garantir o funcionamento das entidades sindicais – sobretudo em tempos em que as trabalhadoras e os trabalhadores vêm sendo ainda mais explorados -, a vivência coletiva das deliberações e decisões e, ao fim e ao cabo, da participação democrática que norteia o engajamento político.
Surgem, então, questionamentos sobre como esses atos têm ocorrido e como permanecerão ocorrendo até que possam ser realizados, com segurança e responsabilidade, no seio das entidades e com ampla presença da classe trabalhadora. As assembleias ordinárias, os atendimentos das assessorias jurídicas, as prestações de contas e algumas outras dinâmicas sindicais têm sido adaptadas, dentro das possibilidades, ao meio virtual e remoto; outras, entretanto, apresentam peculiaridades e dimensões que requerem acuradas ponderações em relação às previsões dos estatutos sindicais e às idiossincrasias de cada categoria.
A realização de eleições por meio virtual, a título de exemplo, representa um percalço que, para ser solucionado, precisará enfrentar a dificuldade de operacionalização de uma votação sindical nesses moldes – previsões estatutárias ou mesmo a ausência delas, distribuição territorial das sedes sindicais, garantia de ampla participação da classe, acesso dos trabalhadores às tecnologias e gastos decorrentes da estrutura a ser montada, efetiva celebração da autonomia coletiva do sindicato – e, como parece conseguinte, a segurança de uma votação que, pelo quase ineditismo e pelos problemas comuns ao meio virtual, estará suscetível às mais diversas intempéries.
Apesar da Lei nº 14.010/2020, promulgada em caráter transitório e emergencial em virtude da pandemia do coronavírus, possibilitar a realização de assembleia geral por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica, a organização sindical versa sob panoramas que não se exaurem em tratativas típicas do direito civil e, por isso, requerem uma cautela ainda maior. A utilização do meio virtual, a despeito da celebrada facilidade no uso das ferramentas e da celeridade – ocasionada, dentre outros fatores, pela dispensa da permanência dos envolvidos no mesmo espaço físico – não é tão simples como muitos insistem em fazer-nos acreditar.
Não basta a mera existência de uma reunião virtual a fim de negociar um acordo ou uma convenção coletiva, por exemplo, é preciso, sobretudo, garantir que a classe esteja presente e efetivamente representada em todas as tratativas. Promover uma negociação coletiva entre trabalhadores e patrões quando, muitas vezes, não existe sequer estrutura técnica suficiente – e aqui se fala em computadores e acesso à internet de boa qualidade – ou mesmo quando não há como conectar, simultaneamente, os diversos segmentos de uma categoria de trabalho à negociação que a todos interessaria, é, ao revés, perpetuar disparidades e acentuar a fragilização da classe trabalhadora.
É nesse panorama de muitos questionamentos, mas também de efetivação de novos repertórios de lutas e de formas de organização, que os sindicatos vêm atuando para encontrar alternativas e possibilidades de garantir a proteção dos direitos básicos das trabalhadoras e dos trabalhadores e de gerenciar as suas dinâmicas essenciais na atual situação de pandemia sem que, com isso, deixe-se de lado um dos propósitos que regem o movimento sindical: dar voz e vez, democraticamente, à classe trabalhadora.
*Iara Medeiros é acadêmica de Direito da UFPE e estagiária do Estevão e Pinheiro Advogados Associados.